Nota da JUCO – Pelo retorno presencial seguro e não ao conformismo da situação da educação pública
Um ano e sete meses após o começo da pandemia, o aumento da cobertura vacinal contra a COVID-19 representa uma perspectiva de ampliação da normalidade. Como efeito da imunização de ao menos uma dose em 75% dos brasileiros, esta semana o país registrou a menor mortalidade diária desde abril de 2020. Nesse contexto, das universidades federais do país, ao menos 12 já apresentaram programações para retomada das atividades presenciais em 2022. Na contramão do que ocorre em outras instituições de ensino público e nas universidades privadas (a exemplo da Unisinos e da Pucrs), os estudantes da UFRGS seguem com a formação prejudicada pelo modelo remoto emergencial.
Embora o governo Bolsonaro realize um trabalho ativo na propagação do Coronavírus no Brasil através da difusão de informações falsas sobre tratamentos medicamentosos e ingerência quanto às regras de distanciamento, completa incompetência na aquisição de imunizantes, além de uma extensa lista das piores medidas possíveis a serem tomadas na situação pandêmica, a vacinação finalmente atingiu índices relevantes. Assim, qual seria o motivo para aquela que foi considerada a melhor universidade do Brasil nos últimos 8 anos não apresentar um plano conciso de retomada das atividades presenciais?
A cautela para planejar a volta não consegue esconder o óbvio: a verdade é que a UFRGS, assim como tantas outras universidades públicas, está com seu funcionamento presencial comprometido pelos cortes de verbas. Desde a instituição da Emenda Constitucional 95 (do Teto de gastos), que limitou os gastos públicos por 20 anos ao impedir sua expansão além da inflação do ano anterior, os orçamentos relacionados a serviços públicos, educação, infraestrutura, saúde, seguridade social estão cada vez mais reduzidos. Já em 2019, a UFRGS havia perdido R$ 56 milhões em verbas para custeio da manutenção dos Campi e pagamento de água e luz; em 2020, o Ministério da Educação sofreu uma redução de R$ 1,6 bilhões em recursos [1]. Os sucessivos ataques fizerem, inclusive, que universidades históricas como a Federal do Rio de Janeiro anunciassem um possível fechamento por falta de dinheiro. Nesse mesmo ano, mirando dessa vez as áreas de Ciências Humanas, o Ministério da Ciência e Tecnologia emitiu uma portaria excluindo a área das prioridades de projetos de pesquisa financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) [2].
Desde 2015, o CNPq e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior sofreram uma redução de cerca de 70% de seus orçamentos, comprometendo sistematicamente o avanço da pesquisa e da ciência no país [3]. Vale lembrar o papel que as instituições públicas de pesquisa e educação tiveram durante a pandemia de Covid-19: desde a elaboração de ventiladores pulmonares que poderiam ser produzidos a baixo custo para auxiliar na respiração de pacientes internados, produção e aplicação de testes rápidos para identificar o vírus, oferecimento de vagas de cuidado intensivo nos Hospitais Escola, até o desenvolvimento de vacinas em potencial. Em outubro desse ano, entretanto, a base de Bolsonaro no Congresso promoveu um corte de cerca de 90% dos recursos do Ministério da Ciência e Tecnologia, representando um total de mais de 600 milhões de reais retidos, praticamente inviabilizando a sobrevivência da ciência e da pesquisa no país [4]. Ainda vale citar o não pagamento das bolsas referentes ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) e de Residência Pedagógica (RP), que deixa mais de 60 mil estudantes sem a remuneração; muitos dos quais que dependem exclusivamente da bolsa para garantir sua sobrevivência material.
Nesse contexto de destruição das instituições de ensino, não é difícil imaginar o porquê da UFRGS estar com seu retorno presencial colocado em xeque. Mesmo que diretrizes sanitárias necessitem de priorização em virtude do cenário de incerteza acarretado pelo vírus, é inegável o oportunismo do governo Bolsonaro e seus aliados, entre eles, o reitor escolhido a dedo para trabalhar contra a universidade, em consonância com o projeto que converte a Universidade pública em sucata. Neste momento o que a universidade precisa não é de mais um semestre a distância com os prédios entregues ao descaso, susceptíveis a deterioração. Todas a comunidade acadêmica tem, assim, o dever de se mobilizar pela elaboração de um plano de retorno presencial e cobrar a reitoria para que seja transparente nas suas ações, não cabendo o conformismo da escolha do “menos pior” e a naturalização da condição de desmonte do ensino público.
[1] A UFRJ vai fechar? Entenda o corte de verbas na educação superior — Humanista
[2] Ensino superior público e cortes orçamentários: discricionariedade ou discriminação?