Superar o sectarismo reformista, derrotar Bolsonaro, construir a emancipação popular e socialista

A Unidade Comunista Brasileira entende e reafirma que é preciso forjar um projeto estratégico para a construção do socialismo.

O governo Bolsonaro acelera o mergulho do Brasil na regressão social, econômica, política e cultural, além de tornar o conceito de soberania nacional uma caricatura sem sentido. Ao contrário do que pretendem seus apoiadores mais próximos, o governo Bolsonaro não significa algo novo em relação ao que temos no Brasil desde o golpe de 2016. Seu governo é a continuidade e aprofundamento do golpe e de tudo de ruim que já vivíamos no governo Temer, com todos os atributos da “velha política” de subordinação do Brasil ao interesse dos monopólios imperialistas dos Estados Unidos, e com mais agressividade política em relação a quem pensa diferente.

Mas esta dura e amarga realidade nacional não foi um raio em céu azul, ao contrário, foi minuciosamente planejada e implantada em nosso país a partir a aliança nefasta de setores da direita nacional com a ingerência de interesses estrangeiros. Os Estados Unidos da América não são isentos no processo de desestabilização política que se fez no Brasil desde os primeiros anos desta década. Se houvessem instituições efetivamente preocupadas com a defesa do país, teriam responsabilizado inclusive penalmente os grupos de demagogos juvenis que recebiam e recebem dinheiro de monopólios internacionais (especialmente do setor de petróleo) para atuar aqui como sabotadores cínicos da legitimidade dos movimentos sociais, dos partidos do campo popular e de todas as organizações autônomas da classe trabalhadora. A investigação de quais e quantas autoridades e grupos políticos serviram e servem de suporte para a espionagem e a sabotagem das instituições, das empresas públicas e dos movimentos populares é outra tarefa que segue pendente em nosso país.

É claro que não acreditamos que a atual ofensiva do capital esteja relacionada somente às disputas políticas e culturais que se realizam no interior da sociedade. A profunda crise em que a sociabilidade capitalista se encontra em nível mundial tem como fonte a sua tendência histórica à superprodução, ao subconsumo, à concentração de riqueza e do pauperismo e à queda das taxas de lucro. Neste sentido, a disputa comercial entre capitais e a voracidade dos monopólios e do imperialismo, respondem à sua inexorável tendência de ampliar suas fontes de valorização e exploração da classe trabalhadora em âmbito mundial.

Neste cenário, a importância econômica, política e estratégica do Brasil tem servido para que o imperialismo esteja sempre precavido em relação a tudo que possa acontecer aqui, como é comum do imperialismo em todos os lugares. A maior atenção e maior esforço de ingerência por parte do imperialismo dos Estados Unidos dentro do Brasil se deu a partir do descobrimento e começo da exploração das enormes reservas de petróleo do pré-sal e depois que o Brasil se tornou protagonista importante da aliança econômica e geoestratégica com a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul, no bloco que ficou conhecido como BRICS. Um dos problemas de um país do tamanho e da importância econômica do Brasil é seus dirigentes e líderes dos grandes partidos não entenderem a necessidade de defesa diante do imperialismo. Nenhum projeto político autônomo em qualquer parte do mundo conseguiu construir um país soberano diante do imperialismo sem passar pela construção ao mesmo tempo de forças de defesa capazes de inibir a agressão. A construção destas linhas de defesa começa por impedir que o imperialismo constitua falanges internas de colaboração, espionagem e sabotagem. Quando as forças populares abandonaram o conceito de imperialismo e caíram no canto da sereia da “globalização” com o suposto fim dos estados nacionais, desapareceu por completo a preocupação com a defesa da soberania. Nos tornamos presas fáceis para a ação inimiga dentro do nosso próprio território, e dentro de nossas próprias instituições.

A política do “melhorismo” (pequenas concessões do capital em políticas sociais que  focalizavam o acesso para as frações mais precarizadas da classe trabalhadora), que tem a defesa do socialismo apenas como referência utópica e remota, não obstante as possíveis virtudes de seus defensores e alguns avanços em termos de acesso aos direitos elementares (alimentação, emprego, moradia, escola…), não consegue entender a dimensão vital da defesa nacional diante da política de agressividade do imperialismo, e acaba cedendo na política cotidiana até mesmo para setores internos historicamente ligados ao golpismo e à traição dos projetos nacionais com alguma autonomia. Foi assim que o movimento golpista patrocinado e instruído pelo imperialismo dos Estados Unidos nos encontrou nos primeiros anos desta década. As chamadas “jornadas de junho”, em 2013, já foram resultado desse assalto dos setores golpistas ao centro da luta popular. Naturalmente, não foi a extrema direita golpista quem inventou as pautas sociais que aquele movimento levantava. Tais demandas existiam, eram legítimas e estavam sendo defendidas pelas esquerdas naqueles e nos tempos anteriores. A direita foi eficaz ao adotar aquelas pautas para enganar o povo e junto com elas deu destaque à pauta do combate à corrupção, outra chaga da qual o Brasil sempre penou, desde 1500. Em 2013, o movimento que começou dirigido por forças populares de esquerda, foi capturado pela direita. Aquela mesma direita que em 2013 atacava violentamente a participação dos partidos e dos líderes políticos de esquerda no movimento, hoje está confortavelmente plantada em cargos políticos nos legislativos e nos executivos em quase todo o Brasil.

As proposições pretensamente “neodesenvolvimentistas” dos  governos do PT tiveram como principais obstáculos as condições particulares do desenvolvimento do capitalismo na América Latina e mais especificamente no Brasil. Confiou-se na união com a burguesia nacional “autônoma”, na conciliação de classes em que todas as frações garantissem suas vantagens, e que esse projeto nos levaria para uma condição de “país desenvolvido”. Mesmo setores da esquerda chegaram a desenvolver a ideia de que o Brasil se constituiria em uma sociedade “subimperialista”, que galgaria etapas no sentido de uma posição intermediária da divisão internacional do trabalho. Contudo, as condições conjunturais de nossa produção “por excelência”, as commodities agrominerais, encontravam-se supervalorizadas pelas demandas da produção manufatureira mundial e, na primeira queda, esgotaram quase todas as nossas condições favoráveis frente à crise econômica que derruiu as bases desse projeto de desenvolvimento capitalista.

É importante registrar que nos primeiros sintomas de desgaste econômico, o imperialismo não perdeu tempo e interviu decididamente sobre a soberania nacional e dos povos da América Latina. Apoiou golpes civis e militares, aparelhou os setores judiciários e midiáticos, pressionou pela intervenção sobre as riquezas dos povos e pela redução do valor da força de trabalho. A resistência na Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua demonstraram que os povos que tinham projeto estratégico que consideravam minimamente a luta pela soberania de seus povos na condução de seus destinos, e que o imperialismo e os monopólios eram forças sociais a serem enfrentadas decididamente, poderiam resistir e disputar os rumos de suas nações. As análises de Florestan Fernandes sobre a dual luta “dentro da ordem” e “contra a ordem” enquanto potencial para a estratégia socialista na América Latina deixam muito evidente que a superação do capitalismo dependente e associado não se realiza pacificamente, com conciliação com a burguesia nacional sem projeto autônomo de nação.

Essa realidade não era compartilhada por  outras forças políticas que no período estavam no governo. No Brasil, 2015 foi o ano do “não vai ter golpe”, enquanto o governo cedia à direita e os setores populares (governistas ou à esquerda destes) se esforçavam quase que inutilmente para tentar mobilizar contra o golpe que ficava mais próximo e evidente a cada dia. A direção do PT e a cúpula do governo Dilma contaram até o último momento com a possibilidade de salvação do mandato a partir da aliança com setores do PMDB, como Renan Calheiros, então presidente do Senado. No final de 2015 o Supremo Tribunal Federal definiu o rito do impeachment, dando aura formal de legalidade a uma farsa, que foi concretizada pelo Congresso Nacional entre abril e agosto de 2016, tendo Dilma sido afastada do cargo em 13 de maio daquele ano.

Rebuscar esta parte da história é importante para não deixar passar em branco o fato de que a direita aplicou um golpe contra um governo de corte “reformista” porque conseguiu neutralizar as forças populares que defendiam o governo no cenário de luta dos próprios movimentos populares. Ou seja, a direita, com seus instrumentos de dominação ideológica (principalmente, os meios de comunicação de massa), conseguiu colocar em movimento uma imensa parcela da população brasileira que gradualmente passou a defender as pautas da direita. Convém notar, no entanto, que não foi por uma ou outra mobilização espontânea ou aparentemente espontânea que a direita conseguiu derrubar o governo Dilma, prender Lula e eleger Bolsonaro, para aplicar, no mesmo percurso de tempo, o projeto de interesse dos monopólios imperialistas. A direita conseguiu convencer uma imensa parcela da população brasileira para o seu projeto político, e o fez pelos vácuos deixados pelas organizações de esquerda em geral.

Se é verdade que a construção do clima para o golpe, a prisão do Lula e a eleição de Bolsonaro foram em parte resultado da aplicação de táticas do que tem sido chamado de “guerra híbrida” (e nenhuma guerra jamais foi apenas um enfrentamento militar), é fato também que a direita conseguiu recrutar para seu campo político e ideológico um enorme contingente de pessoas, incluindo uma parte da classe trabalhadora e da juventude estudantil, que até uma década atrás não participava da política. A direita conseguiu atrair para sua forma de pensar e para suas táticas as imensas massas populares que a esquerda costumava chamar de alienada, e construiu uma base social numerosa e com razoável consistência, o que explica as nossas derrotas dos últimos três ou quatro anos.

Naturalmente, a maioria das 57 milhões de pessoas que votou em Bolsonaro, apoiou o impeachment da Dilma e achou razoável a prisão do Lula, não percebe que vai ser prejudicada pelo projeto econômico que está em curso. Muitos foram enganados e agora, lentamente, começam a desconfiar que não será como pensaram. Mas, com certeza, milhões destas pessoas seguem acreditando que as teses econômicas e políticas de extinção dos direitos, privatização de todas as empresas públicas e expansão do agronegócio poderão levar o Brasil a um novo impulso de crescimento, o que geraria mais empregos e uma nova etapa de desenvolvimento. Esta concepção, embora superficial e falsa, tem lastro no proselitismo político e ideológico feito por um sem número de ativistas, pelas redes sociais, pelos meios de comunicação convencionais, e cada vez mais pelas escolas e instituições do Estado, além de igrejas neopentecostais, que foram determinantes para a eleição de bolsonaro. No campo econômico, fazem a defesa do liberalismo como meio para impulsionar a sociedade para o desenvolvimento, o que é uma tese absurdamente falsa em tempos de capitalismo monopolista em todas as esferas da vida. No campo ideológico, propagam a pregação febril baseada em dados mentirosos sobre os chamados “horrores do socialismo”, quando chegam a somar como “crimes dos comunistas” a morte dos próprios comunistas nos campos de batalha contra o nazismo, ou a morte dos combatentes cubanos contra o apartheid no continente africano. O que objetivamente é uma tacanha mentira, para eles é a mais límpida verdade, pois no interior da alucinação reacionária o povo que não aceita o poder do mais forte (dos eleitos) é ele mesmo responsável pela própria morte. Essa “onda anticomunista” é determinada pela necessidade que o capital tem de imobilizar as forças sociais proletárias. Não à toa, o Parlamento Europeu aprovou resolução que equiparam o socialismo ao nazismo e que defendem a retirada e a criminalização dos símbolos e da ideologia comunista.

Difícil definir um tempo futuro para a possibilidade de uma virada, mas ela vai acontecer, especialmente porque o projeto que a direita está implementando no Brasil vai levar ao aprofundamento da barbárie e não ao desenvolvimento. Mesmo extinguindo todos os direitos sociais, previdenciários e trabalhistas que estavam previstos na Constituição de 1988, mesmo anulando os direitos conquistados nas décadas de 1930-40, mesmo que as relações de trabalho “beirem à informalidade”, como defendeu há poucos meses Jair Bolsonaro, o Brasil não vai voltar a se industrializar por isso. Mesmo sem direito nenhum, com “custo Brasil” zero, a indústria brasileira não vai competir lá fora com a indústria da Alemanha, do Japão ou dos Estados Unidos. E com a falsa promessa de “preparar as condições para voltar a crescer”, a política econômica e social do governo Bolsonaro, seguindo e radicalizando o que já fizeram no governo golpista de Temer, vai diminuir drasticamente o mercado interno, afundando ainda mais o já baixo nível de produção nacional. Dentro do capitalismo, a expansão do mercado interno e as relações de intercâmbio comercial com os países vizinhos e dentro dos BRICS era o que o Brasil poderia fazer de melhor para manter seu nível de industrialização e sua balança comercial positiva. A regressão social imposta desde o golpe e radicalizada por Bolsonaro, a agressividade ideológica contra países vizinhos com os quais o Brasil tinha significativa relação comercial (como a Venezuela, por exemplo), a adoção da ideologia sionista do governo de Israel, a subserviência vexaminosa ao governo Trump, levarão ao abatimento econômico cada vez maior do Brasil.

Considerando a condição de clima e de solo do Brasil, sobrará o agronegócio como fator econômico preponderante, ou quase único, com a expansão da fronteira agrícola para dentro da Amazônia, a intensificação da monocultura predatória e o aumento dos agrotóxicos como insumos principais (envenenando as terras, os rios e as gentes, e transferindo uma proporção cada vez maior do lucro para os monopólios estrangeiros dos venenos).

O que nossos inimigos estão chamando de “modernização” consiste numa regressão de mais de um século em termos de regulação do trabalho, organização da economia, direitos e garantias sociais. As relações de trabalho “beirando à informalidade”, a restrição de acesso aos direitos previdenciários, a privatização de todas as empresas estatais, dentre outras políticas regressivas, jogará o Brasil para a condição econômica e social que tínhamos no começo do século XX, com o agravante de que hoje somos mais de 200 milhões de pessoas vivendo majoritariamente nas cidades. O “Brasil caboclo” de 1920, com 15% da população atual, era miserável, mas a maioria das pessoas podia se alimentar minimamente da pequena agricultura ou mesmo da coleta, da caça e da pesca, com produtos sem veneno. O Brasil do futuro, agredido por essa ofensiva do capital, não terá mais nem a condição de alimentar o seu povo.

Nossos inimigos prometem aos seus atuais seguidores que farão o Brasil se tornar uma potência moderna, e que para isso é necessário extinguir os entraves existentes. Na sua pregação, os entraves estão neste modelo “quase socialista” da nossa organização social. Quando Bolsonaro discursa na ONU que o Brasil estava à beira do socialismo, ele não está se referindo apenas às políticas compensatórias dos governos do PT, mas também a todos os direitos constitucionais estabelecidos na Constituição de 1988, como a educação universal e gratuita em todos os níveis, como o Sistema Único de Saúde também universal, como uma previdência social que ampara a maioria dos trabalhadores, como a demarcação de terras indígenas, o reconhecimento dos territórios quilombolas, a reforma agrária, ou como a jornada de trabalho definida em lei, com direito de férias remunerada e 13º salário. Não obstante as diferenças em relação aos costumes ou às liberdades democráticas, não apenas Bolsonaro e seus seguidores defendem o projeto econômico e social de extinção de tudo. Basta olhar que os analistas econômicos da Rede Globo e de outros meios de comunicação, setores da direita convencional (os herdeiros do PFL e da antiga ARENA), estão desde 1989 trabalhando contra os direitos estabelecidos na Constituição de 1988, assim como a direita nunca aceitou a existência da Petrobrás, e sempre se contorceu a cada nova empresa pública criada, especialmente quando esta dava lucro. Com o passar do tempo (década de 1990), esse mesmo pensamento aderente ao projeto dos monopólios privados, tem tomado conta do PSDB e do PMDB, e agora tem peso até mesmo no PSB e no PDT.

Em termos do projeto econômico, toda a direita está unida e vota em bloco, fazendo mais de 70% dos votos no Congresso Nacional. Isso não significa que não haja divergências dentro das diversas facções da direita, também porque existem diferenças dentro dos diversos setores da classe dominante. Uns são mais ligados a setores industriais ainda tentando sobreviver; outros fazem parte do agronegócio mais moderno e tecnicamente avançado; outros pretendem se expandir queimando florestas, semeando gado e plantando soja; tem os que enriquecem apenas comprando do exterior e vendendo aqui; quase todos estes setores e também parte da classe média mais endinheirada são também rentistas e, portanto, defensores do sistema, custe o que custar; e tem o capital financeiro que a todos domina e de todos subtrai algum percentual ou taxa. Mas em se tratando de direitos trabalhistas e previdenciários, de seguridade social, de direito à educação de qualidade, todos eles pensam da mesma forma: “a constituição de 88 criou uma série de direitos que não cabem mais dentro da nossa economia”.

Mas eles estão também em conflito permanente, porque têm diferenças importantes quanto aos costumes e quanto ao regime político a ser estabelecido a partir do ocaso das garantias individuais e coletivas hoje existentes. As divergências entre Bolsonaro e seus seguidores, por um lado, e Rodrigo Maia e a Rede Globo, por outro, não são parte de um jogo de diversionismo para disfarçar sua pauta econômica comum. Eles têm uma pauta econômica comum no que tange a ferrar o povo trabalhador e a entregar nossas riquezas e nossa soberania para os monopólios imperialistas, mas têm também efetivas divergências políticas e de projeto futuro. Pode-se dizer, em termos de projeto político para curto e médio prazos, que eles estão disputando a continuidade do projeto da direita para a sociedade brasileira. A direita convencional, tipo Rodrigo Maia, tucanos e Rede Globo, quer parecer civilizada e portadora de usos e costumes liberais, postura moderada, abertura ao diálogo na diferença, inclusive com setores populares que sejam também moderados e adeptos à conciliação. Bolsonaro e os seus seguem postura diversa: querem se afirmar justamente pela radicalização discursiva, pela intolerância diante das divergências, pela ameaça permanente aos setores populares. Bolsonaro, seus filhos e parte dos ministros atuam para manter fiel o percentual de seguidores entre 10 e 20% da população que era o que tinham até junho/julho de 2018 e é o que acreditam poder manter mesmo sem mudanças no quadro econômico do país. Com esse percentual de apoio popular, engajado e radical, nem mesmo Mourão consegue desbancar Bolsonaro, e dificilmente ele será ultrapassado por outro líder de direita em termos de sustentação na base social. A prevalecer esse quadro, Bolsonaro pode seguir sendo a opção de toda a direita, mesmo a contragosto, para tentar evitar o retorno do fraco “reformismo” ao governo. Os gurus de Bolsonaro raciocinam nestes termos, e por isso o orientam a seguir insuflando a radicalidade reacionária de sua base, mesmo que as pessoas sensatas o chamem de maluco ou imbecil.

Pesa contra a classe trabalhadora, o povo oprimido e a soberania nacional, a unidade que a direita consegue entre si para aniquilar os direitos trabalhistas e de organização laboral, para reduzir as garantias sociais e previdenciárias, para privatizar todo o patrimônio público e entregar as riquezas do solo, do subsolo e também do espaço aéreo. Mas está em favor do povo brasileiro e da própria sobrevivência do nosso país enquanto nação o fato de que a direita não tem unidade para que os desejos reacionários de orientação fascista do clã Bolsonaro, seus mestres e seguidores se tornem majoritários e passem a governar de forma autoritária e com os métodos violentos que adoram propagar. Contra uma escalada de violência estatal e paraestatal em desfavor da ideia iluminista de civilização, devemos estabelecer aliança com todos os setores democráticos e liberais. Mas seria um terrível erro pensar que esta aliança pode acontecer no campo de uma nova regulação econômica e laboral. Nestes campos, a direita está unida contra qualquer proposta de conquistas sociais que o movimento socialista defende desde o século XIX.

Para além de analisar o que quer e como se comporta a direita em todas as suas facções, é fundamental pensarmos também no que querem e como se comportam os diversos setores do movimento popular. No nosso vasto campo que está socialmente convencionado chamar de esquerda, temos menos unidade na defesa do projeto social e econômico e completa dispersão quando se trata de pensar um projeto de sociedade para o futuro. Ou seja, comparativamente com a classe dominante, nossa unidade é mais tênue na defesa dos direitos, do patrimônio público e da soberania nacional, e somos muito desunidos e mesmo sectários quando se trata da construção de um projeto novo para a sociedade.

Absurdamente, os maiores partidos do campo popular estão já neste começo de governo Bolsonaro adotando a lógica de desgastar o governo com vistas às eleições de 2022, o que passa já pelos arranjos e avanços de cada partido na eleição de 2020. E justo por conta dessas intrigas se anula o necessário potencial de mobilização popular contra a política econômica e social que a direita está impondo sem maiores dificuldades. Não estamos conseguindo lutar contra a destruição da previdência do governo Bolsonaro, nem mesmo como chegamos à lutar contra a “PEC da morte” do governo Temer. As legítimas e necessárias lutas em defesa da Amazônia e da educação até conseguem massificar, mas não passam de atos e manifestações que terminam por marcar novas datas para outros atos e manifestações. A própria ideia de greve geral se tornou menos factível do que era em 2017 porque a classe trabalhadora está aferrada em defender seu emprego e também porque já não acredita na condução do movimento pelas atuais direções. As maiores centrais estão na lógica de seguir na rabeira das manifestações populares puxadas pelos setores da educação, que têm os estudantes à frente, enquanto se iludem em negociar com Rodrigo Maia e com a CNI uma nova regulação da atividade sindical. Um grave equívoco consiste em tentar trabalhar em aliança com a classe dominante no terreno em que ela está unida há décadas justamente para esmagar os direitos trabalhistas, sociais e sindicais. A própria luta justa e necessária pela liberdade do ex-presidente Lula fica prejudicada porque a campanha “Lula Livre” contém a campanha por uma nova eleição de Lula, e isso choca com interesses não menos eleitorais dos outros partidos populares com vida institucional. A disputa sectária entre os diversos matizes do reformismo brasileiro está anulando o potencial de luta das organizações populares de massa, e prejudicando a própria campanha pela liberdade do Lula.

O erro da esquerda não está em pensar ou em se organizar para disputar eleições, mas no fato de só fazer isso. Pior do que só fazer isso, é trabalhar para subordinar todas as outras formas possíveis de luta a uma forma de alcançar votos de uma massa social desorganizada. A esquerda não busca organizar a classe trabalhadora e os setores oprimidos em geral para tomar o poder, e sim para conseguir mais votos nas próximas eleições. Carrear a indignação popular exclusivamente para dentro das urnas contribui também para o descrédito dos partidos do nosso campo. E não se trata de ter a ilusão de que em pequeno espaço de tempo vamos conseguir levantar a classe trabalhadora para fazer a revolução socialista. Não temos essa ilusão, embora tenhamos essa vontade, e defendemos o socialismo como projeto social, econômico e civilizatório, e não apenas o temos como uma utopia remota, um desejo guardado para se falar nas horas ociosas com os amigos.  Se a próxima eleição vai chegar antes da revolução (até porque tem eleição a cada dois anos), a esquerda não deve abandonar a segunda e ficar apenas na busca por votos. O problema não é só que não se faz o debate estratégico e não se adota as táticas necessárias porque o imediatismo eleitoral requer atenção agora, e sim que nunca se faz o debate necessário e se abandona as táticas e formas de luta que estejam para além do convencionalismo eleitoral. Este limite estratégico e tático torna as próprias manifestações populares e atos públicos algo tão enfadonho como um desfile de discursos, uma disputa para ver quem fala mais bonito no microfone.

Dar tempo para desgastar o governo, para o povo trabalhador perceber que errou e voltar a votar nos partidos do campo popular tal qual eles têm sido há décadas, poderia, no máximo, nos levar de volta para governos de tímidas reformas sociais e de nula capacidade de resistência diante das ofensivas da direita. O elemento mais constante da história política brasileira é o golpismo das forças conservadoras contra qualquer proposta de elevação do nível de vida do povo, e tais golpes sempre estiveram associados a interesses estrangeiros contra a soberania do Brasil. Se a esquerda não consegue perceber onde estão seus erros principais, vai continuar contribuindo para a repetição da trajetória de erros que proporcionam um golpe de Estado e uma ditadura de direita a cada meio século, ou nem tanto.

Sabemos perfeitamente que não estamos à beira de uma situação revolucionária no Brasil. Ao contrário disso, percebemos com preocupação a força que as ideias da direita adquiriu na base da sociedade brasileira e inclusive dentro da própria classe trabalhadora assalariada. Não desprezamos a importância dos processos eleitorais como momento de disputa política acerca dos rumos que a sociedade deve seguir, mas é inaceitável admitir o livre desenrolar de um governo como o de Jair Bolsonaro até que chegue a próxima eleição e, quem sabe, possamos ter melhor êxito do que na eleição passada. Se trata de ir disputar nas bases da sociedade, e não só nos meios sindicais formais, um projeto popular soberano para nosso país, ao tempo em que se mobiliza a massa para obstruir, por todos os meios legítimos possíveis e que apareçam, a realização da política que acaba com os direitos, elimina o patrimônio público nacional e aprofunda a nossa dependência diante do imperialismo. Derrotar o projeto econômico e social do governo Bolsonaro e de toda a direita é o mínimo que qualquer militante do campo popular pode almejar, e isso não pode esperar pela próxima eleição, até porque tem coisas que nenhuma eleição poderá resolver.

A Unidade Comunista Brasileira (UCB) entende e reafirma que é preciso forjar um projeto estratégico para a construção do socialismo no Brasil, e isso passa por derrotar o bloco de forças sociais composto pelo latifúndio (mais moderno ou mais atrasado), pelos monopólios e pelo imperialismo. Não se pode ter ilusão e nenhuma aliança com estes setores, seja no campo econômico ou na esfera política. É preciso disputar política e ideologicamente na base da sociedade por este novo projeto, o que compreende também fazer todas as batalhas em defesa das pautas imediatas pelos direitos e pelo acesso à vida digna para o conjunto do povo, e isso é mais importante que a manutenção da estrutura sindical que possibilite a sobrevivência sindicalismo que temos. As eleições vêm e virão ao longo desse caminho, e delas podemos participar como mais um espaço para o debate de nosso projeto de emancipação social e de soberania nacional. Se o projeto estratégico de caráter socialista estiver sempre na frente como objetivo permanente, fica mais fácil acertar nas táticas e dinamizar as diversas formas de luta que se pode utilizar contra as agressões do inimigo de classe. Militamos com este objetivo, e queremos fazer alianças com todas as organizações e pessoas que busquem o mesmo horizonte.

Outubro de 2019
UNIDADE COMUNISTA BRASILEIRA – Direção Nacional

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