Defesa de Lênin: em ocasião dos 150 anos de seu nascimento
by UCB · Published · Updated
Vladimir Ilich Ulianov Lênin completaria cento e cinquenta anos de nascimento neste dia, 22 de abril. Muito se disse, e muito ainda poderá se dizer sobre este que, nas palavras de Maiakovski, foi “o mais terreno dos que pela terra passaram”. Seguindo seus passos, não vemos melhor oportunidade para fazer a propaganda da necessária Revolução Socialista, da criação de Partidos Revolucionários e Comunistas e da edificação do Estado Socialista, através da unidade operária e camponesa.
Na tradição do marxismo e do leninismo, não vemos melhor forma de realizar tal tarefa do que fazer a leitura do passado à partir do presente histórico, entendendo este presente como resultado do processo histórico em direção ao futuro. No caso em tela, de extrair da primeira Revolução Socialista as lições para cimentar o caminho para uma sociedade sem classes, revolução esta que teve Lênin como um grande idealizador, construtor e reconhecido líder pelos que a conduziram. Realizou esta façanha pois foi forjado pelas circunstâncias revolucionárias de tal modo que, citando Florestan Fernandes, “nunca mais apareceu alguém tão capaz de ligar criadoramente a teoria e a prática política”(p.11).
Destaca-se que o pensamento de Lênin é mais atual do que nunca e, para interpretá-lo no tempo presente temos que considerar, em primeiro lugar, o homem no seu contexto histórico. A correção de sua prática e de sua elaboração teórica – e a relação reflexiva entre ambas-, se comprovou da “melhor forma possível”, e não de forma infalível. Tal afirmação é uma constatação assertiva, e se encaminha na direção oposta às inúmeras e injustificáveis acusações que Lenin sofreu em vida e depois da morte, mas também àquelas livres interpretações das posições leninistas, utilizadas em causa própria para reforçar alguma posição extemporânea.
Parece para alguns, que ao afirmarmos ser Lênin um homem do seu tempo, o jogássemos “na vala comum”. Pelo contrário, é com no base materialismo histórico e dialético que afirmamos que Lênin foi o melhor, justamente pela forma como respondeu à situação histórica do seu tempo – precisamente o momento que, justamente pelas suas insuficiências, carecia de uma revolução.
Quem condiciona quem, a revolução ao revolucionário, ou vice-versa? Poderia uma personalidade representativa de um momento histórico crítico não carregar consigo as marcas de seu tempo? Obviamente que essas afirmações não se referem exclusivamente à Lenin, podem ser derivadas para Marx e Engels, bem como para toda geração de revolucionários que, sendo produto do seu tempo, não deixaram de emitir luz própria, cada qual na sua frequência.
O que diferencia Lênin de qualquer outro são as circunstâncias que o forjaram e o modo como seu talento o colocou, nas suas próprias palavras ao se referir ao partido, na “crista da onda revolucionária”, colocando-o de frente com o limiar entre dois mundos, o que não podia mais existir, e aquele que ainda não havia se afirmado, fazendo do marxismo a cunha que, não podendo romper de uma só vez o limite entre ambos os mundos, provocaria ao menos uma fenda, abrindo uma oportunidade histórica para as massas desaguarem como forte torrente sem se medir pelo canal estreito a que lhe foi destinada.
Quanto mais a experiência revolucionária sob direção de Lênin colocou a velha sociedade em seus limites, mais a própria revolução passou a revelar os problemas concretos, impossíveis de serem realizados idealmente, exigindo decisões alternativas cujas consequências se faziam sentir na pele, estando corretas ou não.
A melhor decisão possível (ou conjunto de decisões) envolvia uma relação determinada entre teoria e prática, cujo equacionamento mais efetivo foi aquele desenvolvido por Lênin. Não é a toa que foi ele o autor da teoria do reflexo, como derivação das teses marxianas. O espelhamento do concreto no pensamento, não deixa de sugerir esteticamente o movimento de uma imagem do espelho, não como uma imediatez presa à aparência, mas na velocidade da imagem que reflete um corpo que, no instante seguinte, não se encontra mais na sua posição, o que exige uma tomada de posição a cada momento.
Assumindo que nenhuma alternativa seria “a ideal”, como saber se a alternativa assumida não era pior do que a que foi descartada? Como mensurar lá na frente as consequências da tomada de decisão em cima de alternativas contingentes? A resposta está justamente na forma como encontrou de, servindo-se da “filosofia da práxis”, transformar a situação revolucionária em que viveu em um laboratório, de modo que, como afirmou sabiamente Florestan Fernandes, “nenhum analista político encontrou na prática uma comprovação tão completa da teoria”.(p.13)
A máxima lenineana de que “a prática é o critério da verdade” não inibia a busca pelos conhecimentos acumulados em experiências anteriores por gênios da estatura de Hegel, Marx, Engels, e de menor porte mas com seu brilho próprio como Plekhanov, Kautsky, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, entre outros. Pelo contrário, como uma espécie de teste rápido, e fazendo uso do farto material teórico à sua disposição, pôde conferir in loco as teorias e elaborar as suas próprias, que poderiam responder positivamente à situação concreta, e não indiscriminadamente à qualquer situação em qualquer momento.
Esta capacidade de responder em tempo hábil as exigências postas pela realidade foi construída através de um intenso esforço intelectual, como prova a farta a sua bibliografia, primeiro como leitor exegético dos clássicos, como publicista e propagandista, na intensa polêmica com as tendências no interior da socialdemocracia e, sobretudo, como organizador do partido bolchevique.
Neste sentido, fixou um princípio metodológico fundamental, ainda pouco praticado, de que não se pode prescindir da “análise concreta da situação concreta, a alma viva, a essência do marxismo”. Este senso de historicidade era resultado do domínio na articulação categorial da teoria marxiana, reiterando o quadro geral da análise marxiana do desenvolvimento do capitalismo mundial, e a particularidade russa. Lênin não foi o único a perceber que aquela terra estava grávida de uma revolução. Marx particularmente dedicou grande atenção, suscitado em parte pelo desenvolvimento político que ocorria naquela parte do mundo.
Lênin não poupou energias para combater aquilo que entendia por equívocos ou degenerações, muitas vezes combatendo e enaltecendo aspectos de uma mesma pessoa; geralmente sem poupá-la ainda quando se tratava de supostos erros, caso o adversário possuísse suas qualidades – às vezes atacando-o mais por esta razão, pelo bom combate, como foi o caso de suas rusgas com Rosa Luxemburgo. Na questão organizativa, Lenin não descuidava de questões supostamente “menores”, mas que no terreno da prática tinham consequências importantes.
De qualquer forma, seu modo de pensar e agir estava amparado no ideário consumado na socialdemocracia europeia, este era seu referencial e sua matéria prima, cuja leitura do desenvolvimento do capitalismo foi se aperfeiçoando, ou se afastando, pela força dos próprios fatos. Não se trata de especular se havia uma crise mortal no marxismo. Este não perdeu sua validade geral ao não produzir alguns resultados desejados – como a expectativa de que o capitalismo avançado da europa seria sobrepujado pelo socialismo, em um curto espaço de tempo, de cada país à todos os países centrais, e dos centros para as periferias. Há inúmeras evidências de que nem Marx e Engels pensavam desta maneira.
Tampouco Lênin se comprazia com tais esquemas, mas era esta uma ideia patente no interior da social democracia. A Revolução no “elo débil” do capitalismo deu um golpe fatal nas ilusões – mas não impediu a manipulação desta ideia geral para desacreditar a revolução, já que esta não estava prescrita na “literatura autorizada” do socialismo.
O golpe nas ilusões tão pouco substituía o apoio internacionalista necessário para defender a revolução – não obstante todo o apoio das classes trabalhadoras mundiais. Em certo momento Lênin comemorava o fato de a URSS ser atacada pelas maiores potências mundiais, pois assim podia contar com o apoio das classes trabalhadoras mais avançadas, nas condições internas mais favoráveis para conter o afã de destruição e pilhagem dos Leviatãs modernos.
As medidas tomadas pela revolução obrigaram o mundo capitalista a fazer concessões estratégicas, como a redução da jornada de trabalho em todo o mundo, a proibição do trabalho infantil, mas não pouparam a reação contra as vanguardas da classe operária . O caso mais trágico foi na Alemanha, que finalmente realizou sua Revolução em 1919, preconizada desde Marx e Engels, mas que assassinou seus dirigentes mais resolutos, Rosa e Karl.
É enigmático que, apesar de toda a importância que Lênin teve historicamente no desenvolvimento da luta de classes, não se produziu uma síntese referencial sobre a experiência de vida e de luta desta personalidade singular. Com exceção de alguns escritos notáveis, e todos relativamente curtos; além de peças de propagandas vulgares para fins outros que não a reconstituição científica da história deste que foi o “mais terrenal dos homens”, podemos nos satisfazer com o tributo das inúmeras experiências práticas revolucionárias, inclusive de revoluções vitoriosas, que prestam à devida homenagem ao indivíduo, depois de Marx, que melhor fundiu seu pensamento e ação à coletividade e à revolução mundial.
LÊNIN, PRESENTE!