Reorganizar a classe trabalhadora para o socialismo

A pandemia do coronavírus agudiza e acelera a crise econômica, social e política em todo o mundo. No Brasil, os efeitos da crise sanitária sobre a economia e o empobrecimento do povo trabalhador serão ainda mais severos que na maior parte dos outros países, porque aqui, antes da pandemia, já tínhamos o pior governo de toda a nossa história.

A economia já estava em declínio antes do mês de março, não obstante as políticas (modestas) de incentivo ao consumo que o governo tinha colocado em prática no ano passado. Aliás, o incentivo ao consumo por parte do governo Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes se restringiu à liberação recursos do FGTS no segundo semestre de 2019, ao passo que a política de arrocho fiscal e de retirada dos direitos produziu efeito contrário. Isso explica, em parte, as causas do “pibinho” de 1,1% de 2019.

Contrariando a propaganda oficial e os comentaristas econômicos dos principais meios de comunicação de massa, os cortes nos direitos trabalhistas, previdenciários e sociais não levaram ao “aquecimento da economia” com mais emprego e mais produção. Ao contrário, a indústria instalada no Brasil continuou ladeira abaixo, o comércio vendeu menos no final de 2019 e nos primeiros meses de 2020, e as estimativas econômicas para 2020 já vinham sendo ajustadas para baixo a cada nova avaliação.

Análises econômicas sérias, baseadas em conceitos teóricos sólidos e não em crendices ideológicas de direita, já afirmavam  que o caminho tomado pelo governo brasileiro levaria a um resultado pífio. Só na realidade do segundo pós guerra foi possível o crescimento econômico a partir do barateamento do “custo nação” nos países que depois se passou a chamar de “emergentes”. As condições econômicas do “milagre brasileiro” ou chileno não estão mais entre as alternativas possíveis nem para os chilenos e nem para os brasileiros. A produção de mercadorias industriais com alto valor agregado pode ser realizada quase totalmente por alguns poucos países desenvolvidos do mundo, em razão do acelerado desenvolvimento das forças produtivas. Ainda que no Brasil a direita acabe com  todos os direitos trabalhistas, previdenciários e sociais, os investidores industriais não vão trocar Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos ou China pelo Brasil. Acontece o contrário: Paulo Guedes, Bolsonaro, Globo, Maia, todos os tucanos e até parte de partidos que se pretendem do campo popular aceleram a destruição dos direitos, a privatização do que resta de empresas públicas, a entrega do patrimônio natural do solo, do subsolo e do espaço aéreo, e o Brasil segue se desindustrializando. Os monopólios internacionais, incluindo a indústria de caminhões e automóveis, seguem parando a produção no Brasil mesmo tendo governos que fazem tudo o que eles prescrevem. Os possíveis consumidores das mercadorias que abundam nos estoques são precisamente aqueles de quem a direita e a extrema direita estão retirando direitos, o emprego e o poder de compra.

Necessário registrar, no entanto, que não pode existir uma espiral sem fim de crescimento econômico e elevação do poder de consumo para amplas massas da classe trabalhadora. No capitalismo não pode existir “círculos virtuosos” infindáveis, como pensa e prega a social democracia reformista, porque as contradições capitalistas não o permitem. Se permitissem do ponto de vista econômico, não seria a solução dos problemas da humanidade, porque representaria um nível global de produção e consumo de supérfluos que aceleraria o esgotamento ambiental do planeta. A crise não é de quantidade, que tem em excesso; e sim da necessidade de um projeto societário com valores distintos.

A política econômica adotada por Paulo Guedes e apoiada por toda a direita, inclusive os setores liberais da direita, já era uma política de aniquilamento do potencial econômico do Brasil. A pandemia do coronavírus veio para potencializar a tragédia de empobrecimento e miséria do povo trabalhador brasileiro. Por dentro da crise sanitária se pode ver melhor a indigência de projeto das classes dominantes no Brasil: a indústria instalada em nosso país abdicou do desenvolvimento econômico interno, e a burguesia industrial em grande proporção migrou para o setor de importação. A maior parte dos produtos e materiais necessários para o enfrentamento da covid-19 são importados, inclusive as singelas máscaras de proteção facial. A economia que até recentemente produzia aviões, um dos maiores exportadores de aço e outros metais fundamentais para a mais capacitada produção industrial, precisa comprar máscaras cirúrgicas, aventais, respiradores. Mesmo existindo potencial instalado no Brasil para produzir tudo isso em abundância, a opção da nossa classe dominante, financiada e protegida pelos governos, é por importar. A burguesia brasileira virou mascate, com isenções fiscais e financiamento do Estado.

Enquanto isso, profissionais da saúde morrem por falta de equipamentos de proteção individual, e em várias capitais os doentes estão morrendo por falta de respiradores.

O governo Bolsonaro é o “salto pra frente” na destruição do Brasil, seja em termos de empobrecimento geral do povo, seja em aviltamento das relações de trabalho, seja em alienação do patrimônio público, seja em abandono da soberania nacional. Diante da pandemia de coronavírus, Bolsonaro e suas hordas reacionárias representam uma ameaça concreta à vida de milhões de pessoas. O ministério de Bolsonaro é também o que já teve de pior nestas terras: um número crescente de negacionistas do conhecimento humano e da ciência, a produzir desgastes nas relações diplomáticas e comerciais do país, em prejuízo até mesmo dos aliados do agronegócio. Na área da justiça e segurança pública, um juiz de pouco talento, adestrado segundo a teoria do “domínio do fato”, tentando fazer regredir ainda mais o respeito aos direitos humanos em um país já conhecido mundialmente como exterminador de jovens pobres e negros das periferias, e que agora, diante da intervenção criminosa que Bolsonaro faz na Polícia Federal, pula fora pra tentar apagar suas digitais da proteção às milícias e outros crimes contra a Constituição. Concentrando todas as pastas econômicas, um troglodita pinochetista, especulador do mercado financeiro de opaca capacidade intelectual.

Os militares crescem dentro do governo, tendo já o controle completo de todos os ministérios que atuam dentro do palácio, e com o novo ministro da saúde, assumem também o comando das decisões estratégicas na crise sanitária. A visão de futuro dos muitos generais do governo, pede aos prefeitos o levantamento de vagas nos cemitérios e o potencial diário de sepultamentos. O governo não é militar, mas faz quatro décadas ou mais que não tem tanto militar no cargo de ministro. Daí que eles podem prescindir de colocar em um fardado a faixa de presidente, pois já estão tão por dentro do governo que não precisam se expor mais para influir muito.

Ao mesmo tempo, é um erro ver diferenças fundamentais entre o governo Bolsonaro e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e seu partido, o velho PFL de guerra (DEM) e seus ícones, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia e do Senado, Davi Alcolumbre. No projeto econômico e social Bolsonaro, Paulo Guedes, Rodrigo Maia, Rede Globo, CNI (e todas as federações da indústria), Febraban, CNA (ex-UDR do ruralista Ronaldo Caiado) estão juntos e não abrem. As diferenças que existem entre eles são pontuais, relacionadas às questões dos costumes ou na forma de lidar com a superestrutura autocrática do Estado brasileiro. Só mesmo as centrais sindicais pelegas e adeptas da conciliação de classes podem ver no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional instituições democráticas. Com exceção de alguns poucos parlamentares de esquerda e de alguns poucos promotores e juízes escanteados em comarcas invisíveis, os poderes do Estado brasileiro são a expressão do desprezo, preconceito, desconfiança, medo e ódio que a classe dominante brasileira tem em relação ao próprio povo.

Em tempos de crescimento da extrema direita, de ameaças fascistas, de ensaios ditatoriais, naturalmente que é necessária a articulação de todas as forças populares e democráticas para evitar mais opressão e mais violência contra a classe trabalhadora, os setores oprimidos e contra as organizações e a militância de esquerda. Esta aliança precisa se converter em potencial de mobilização popular contra os inimigos comuns, na luta concreta do dia-a-dia, e pode chegar até a alguma aliança eleitoral esporádica. Mas os revolucionários precisam definir um espaço próprio de organização, para organizar um programa e as capacidades de luta para ir além do reformismo subordinado à ordem autocrática.

Só é possível construir um projeto de soberania popular para o Brasil enfrentando os inimigos principais do povo brasileiro, que são os monopólios internos, o latifúndio (do grileiro ao agronegócio) e o capital financeiro que estabelece o padrão de subordinação do Brasil aos mandos do imperialismo, sobretudo aquele derivado dos Estados Unidos da América. O projeto do povo brasileiro precisa ter conteúdo e ideologia anti-imperialista, ou não será, e isso lhe fará inimigo de morte das forças internas aliadas e serviçais do imperialismo. Mesmo que comece ainda por dentro da ordem, o projeto de emancipação efetiva do Brasil, para uma “segunda e definitiva independência”, precisa estar preparado para enfrentar por todos os meios as forças da ordem. Será, portanto, um projeto contra a ordem vigente, com estratégia socialista, e terá que lutar pelo poder para se constituir de fato.

Obedecendo a todos os protocolos de cuidados com a saúde; combatendo a política criminosa do governo federal e seus apoiadores que querem acabar com o isolamento social que está salvando milhões de vidas; denunciando a postura de quase todos os governos em desviar os efeitos dramáticos da covid-19 contra a classe trabalhadora, especialmente os setores mais precarizados (o que faz da pandemia um fenômeno de classe, de raça e de gênero), as organizações populares precisam sair do recesso. Quem faz parte de algum grupo de risco deve permanecer no máximo isolamento possível. No entanto, a militância que não está no grupo de risco, precisa voltar a atuar, mesmo com as restrições e sempre seguindo ao máximo os protocolos de segurança e saúde.

A situação sanitária, social e econômica do povo brasileiro vai se agravar; boa parte da classe trabalhadora já está trabalhando, sob imensa pressão das contingências dos serviços essenciais ou da necessidade material, de forma que a vanguarda da classe precisa aprender ou reaprender a sair de casa, contatar o camarada do outro bairro, da cidade ao lado… A ausência de protagonismo das organizações de luta da classe trabalhadora levará ao aniquilamento completo da capacidade de resistência. A vanguarda da classe precisa manter o trabalho político com os setores que pode abranger, e buscar avançar sempre mais, inclusive agora no tempo de crise sanitária.

Organizar e participar de comitês populares de solidariedade para ajudar o povo trabalhador em tudo que for possível, entendendo que esta deve ser uma “solidariedade de classe”, para manter, fortalecer e ampliar a identidade de classe e a noção de pertencimento à mesma classe e ao mesmo projeto.

A construção do projeto de emancipação do povo trabalhador brasileiro, cuja estratégia precisa ser socialista, depende da capacidade da vanguarda de operar em situações ainda mais difíceis que as atuais.

 Pacto Comunista

Brasil, Abril de 2020

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